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Notícia da morte, luto e finitude com crianças

A notícia da morte da rainha Elizabeth neste dia nos leva a pergunta, como lidar com as crianças quando precisamos ter conversas difíceis?

  • A Rainha Elizabeth II, da Inglaterra, que faleceu na tarde de quinta-feira (8), aos 96 anos, deixou 12 bisnetos na faixa de três a 12 anos. Existe uma maneira ideal para abordar esse processo de finitude com as crianças?

REVISTA MULHER

Da Assessoria

As conversas difíceis são proporcionais ao quanto aquele assunto é vivido por nós internamente. Ou seja, só é difícil aquilo que não estamos acostumados a conversar nem com nós mesmos.

O tema das perdas e finitude ganharam relevância desde 2020, quando diariamente o assunto era pauta dentro das casas e em todo planeta. Mas será que estamos mesmo sabendo falar sobre isso?

Em especial na infância, a morte é vivida de forma muito natural pelas crianças, elas conseguem ver uma borboleta morta e enxergam apenas o que ele é de fato, um corpo sem vida. É o adulto que dá o tom sobre o peso da morte de acordo com os valores que regeram sua vida sobre o tema.

É preciso lembrar que a informação não vem apenas da nossa fala com as crianças, está nos gestos, expressão, comportamentos e crenças que regem a cultura familiar desde gerações anteriores. As emoções presentes no ambiente estão informando, o tempo todo, e este é o maior problema que os pais encontram na comunicação. Querem falar algo, mas sentem o oposto.

Especialmente no primeiro setênio, por uma questão de desenvolvimento físico (pela imaturidade cognitiva) e anímico (emocional), a criança está muito mais ligada ao que vive como sensação, as palavras são ouvidas, mas os significados ainda estão sendo construídos.  Daí muitos pais chegam com temas desafiadores, como falar da morte, e querem respostas prontas sobre como falar com a criança.

O aconselhamento que dou nesses casos é, comunique apenas o que é verdade, porque você querendo ou não, a criança está lendo o que se passa na sua parte mais escondida. Alguns pais se sentem nus neste momento e, é mais ou menos assim mesmo.

O expoente autor Daniel J, Siegel, junto com MaryHartzell em seu livro Parenting from Inside Out (Daniel J. Siegel e MaryHartzell trouxeram uma explicação detalhada sobre a questão da comunicação entre hemisférios direito e esquerdo do cérebro e sua relação com a questão da comunicação. Segundo eles, quando os sinais verbais e não verbais vindos dos pais são congruentes, a comunicação faz sentido. Do contrário, quando sinais verbais e não verbais são incongruentes, a mensagem se torna confusa.

Do ponto de vista da Parentalidade Essencial, falamos que a criança é capaz de perceber o não dito e sua experiência lhe informa que há uma mensagem sem sentido, causando angústia e ansiedade em seu interior pois não sabe o que processar.

Uma mãe veio a mim, pois o avô querido que estava doente há alguns dias acabara de falecer e precisaria contar ao filho assim que acordasse no dia seguinte. Ela estava visivelmente angustiada, acabara de perder seu pai. Disse que ao invés de ter ânsia em contar, antes de dormir tivesse uma conversa mental com o menino, sem mentir, dizendo como se sentia, falasse da sua dor e pontuasse, igualmente, o que queria manter vivo do pai dentro de si. Ela me contou que chorou muito ao fazer o exercício e que sozinha pôde extravasar.

Na semana seguinte me contou que o menino acordou naquela manhã e a primeira coisa que fez foi perguntar do avô. Essa foi a deixa para que ela acessasse a conversa imaginária que teve na noite anterior, mas agora, estava mais organizada e pôde falar a verdade de um lugar de serenidade, mas sem esconder a dor.

É desta forma que sugiro aos pais tratarem de temas difíceis, que primeiro cuidem de si, antes de levar o filho ao terapeuta, vá primeiro você, para ser escutado e acolhido. Quem não pode contar com especialista, uma simples conversa com um amigo, onde possamos falar sem parar em um monólogo, tem o poder de organizar nossos pensamentos, ao ouvir nossas próprias palavras, a consciência também se organiza. Para isso, aconselho um amigo que tenha o dom da escuta ativa e não um que acrescente ainda mais suas angústias sobre o tema.

Lembre-se as crianças vão assimilar o que você tem a oferecer, se dentro de você mora medos, incertezas sobre o tema, é isso que você vai comunicar. Mais uma vez, o caminho é ser honesto consigo e dizer que sente medos, por exemplo. Mas mostre que apesar do medo, vai seguir em frente e buscar formas de fazer aquele que partiu permanecer vivo dentro de si.

Construir com a criança significados novos é também um exercício muito valioso, ouvi-los sobre sugestões de manter a memória do ente querido viva na família pode construir novas narrativas inclusive para os pais.

Permita-se escutar o que eles acreditam, o que imaginam, como gostariam de homenagear quem partiu. Ir a um enterro, normalmente, não é algo que represente uma homenagem, como para nós. Talvez não faça sentido para uma criança pequena, já para outras maiores, isso pode ser importante ou não. Muitos querem manter a imagem viva da pessoa em sua mente para alimentar seu coração. Esta também é uma oportunidade de falar como é uma homenagem a quem parte em outras culturas e abrir a mente para outras realidades.

Quando penso na dificuldade de os pais lidarem com o tema lembro de uma cliente, no alto de seus setenta anos, relatou que o enterro do padrinho que amava foi na sala de sua casa e que sua maior tristeza naquela época era porque o caixão estava na sala e ficaram impedidos de ver a TV naqueles dias. O que hoje soa um tabu já foi muito natural e talvez estejamos mistificando demais a coisa mais concreta e a maior certeza da nossa vida humana.

O corpo físico tem um fim e até que acreditemos que a esfera material é a única que nos compõe, viveremos em sofrimento a cada vez que alguém perde sua camada visível. Quando podemos conceber que somos feitos mais do que um corpo físico e que a morte é uma passagem de um estado de consciência a outro, esse tema ganha outro peso...bom, mas isso é tema para outra conversa.

Sobre Camila Capel

Mãe da Helena e da Antonela, Camila é casada com Cristian, filho do Opa. Também é filha de Gracia e Adalberto Capel, irmã de Francine e Maurício, que partiu quando ela tinha apenas 6 anos. Sempre teve a escrita como paixão. Quando Helena e Antonela nasceram, começou a escrever diários sobre a maternidade e o dia a dia com elas, dessa forma, deixou o gosto pela escrita presente em sua vida. Foi nesse período que conheceu a Antroposofia e com ela teve certeza de que a sua escrita havia encontrado sua alma gêmea. Estuda sobre o desenvolvimento e as emoções de crianças e adultos, escreve textos que falam sobre infância, sobre ser mãe, sobre família, sobre cuidar, sobre saúde do corpo e da alma, sobre a morte, sobre a vida e sobre tudo o que faz parte dela. Mais sobre no site http://www.camilacapel.com/.

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