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Uma geração condenada

ILUSTRATIVA

O Brasil estará fadado ao mais rotundo fracasso se não investir pesadamente na eliminação das privações de direitos fundamentais de suas crianças e adolescentes pobres. Repetida há décadas, essa óbvia constatação ainda não encontra resposta adequada e prioritária do poder público – uma omissão que condena milhões de brasileiros a viverem na pobreza durante seus anos de formação e sem perspectivas para a vida adulta. O relatório Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência – 2022, elaborado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) com base em dados do IBGE, não deixa margem para tergiversações. O quadro é grave e exige reação urgente.

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A lenta queda na maioria das privações de meninos e meninas de zero a 17 anos no País entre 2019 e 2022 não traz suficiente alento. De fato, houve recuo de 62,9% para 60,3% no período. No entanto, a dura realidade a que seis entre cada dez crianças e adolescentes continuam expostos é inegável. São 31,9 milhões de brasileiros com suas potencialidades ceifadas pela raiz. É preciso priorizá-los nas agendas e nos orçamentos públicos da União, dos Estados e dos municípios, recomenda o Unicef. Não se pode condenar essa geração ao fracasso e à pobreza.

Há de considerar que o cômputo médio de 60,3% de crianças e adolescentes submetidos a privações de seus direitos básicos no País oculta realidades regionais muito mais graves. No Amapá, esse porcentual alcançou 91,6% em 2022 – ou seja, quase a totalidade de meninos e meninas. São Paulo, a unidade mais rica da Federação, registrou a melhor marca estadual, de 35,7%, que não deixa de ser vergonhosa.

Dentre as dimensões analisadas pelo Unicef, nenhuma privação se aprofundou tão escandalosamente quanto o direito à alfabetização. O porcentual de crianças de 7 anos sem condições de ler e escrever dobrou de 20,5%, em 2019, para 40,3%, em 2022. No grupo de meninos e meninas de dez anos, o analfabetismo avançou de 2,4% para 3,5% no período. O atraso escolar, acentuado pela pandemia de covid 19, não foi recuperado e mostra-se mais acentuado entre crianças e adolescentes negros de 7 a 17 anos.

Embora tenha havido ligeira melhora nos demais indicadores avaliados, todos se mantêm em níveis alarmantes. O País não pode fechar os olhos ao fato de que, somente no ano passado, 9,4% dos brasileiros de zero a 17 anos viviam em moradias precárias, 5,4% não tiveram acesso à água e 37% não contavam com saneamento básico. Na faixa de 4 a 17 anos, 8,3% estiveram longe da escola. A privação de renda atingiu 38% das crianças e adolescentes, o que se traduziu em insegurança alimentar. Para 20% delas, a renda familiar esteve abaixo da necessária para a compra de comida apropriada.


Há dúvidas de que esse cenário tenha sido substancialmente alterado ao longo de 2023, apesar das corretas mudanças nas políticas sociais do governo federal. Fato é que os dados colhidos pelo Unicef põem em evidência outras conhecidas omissões do poder público, como o combate à violência a que milhões de crianças e jovens estão expostos dentro e fora de suas casas. As mortes de 11 deles a tiros no Estado do Rio de Janeiro neste ano indicam a suscetibilidade de todos a uma política de segurança pública incapaz de lhes proporcionar a mínima proteção. Na outra ponta, o baixo acesso a direitos básicos atua como alavanca para a cooptação de jovens desalentados pelas múltiplas organizações criminosas concentradas nos bolsões de pobreza.

O estudo do Unicef retrata uma tragédia humana e social que, inevitavelmente, afetará o futuro do Brasil como um todo. Os esforços do Estado e da sociedade brasileira precisam ser multiplicados, com máxima eficácia e rapidez, a bem da qualidade de vida e do potencial de seus cidadãos e de seu desenvolvimento econômico e social. Trata-se aqui, nem mais, nem menos, de corresponder integralmente às determinações da Constituição de 1988. Está tudo lá, para quem quiser ler.
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