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Por uma sociedade mais inclusiva

  •  LBV na luta pela garantia dos direitos das pessoas com deficiência

Por Leila Marco

Colaboraram: Arivaldo de Oliveira e Egeziel Castro

Ilustrativa


O conteúdo a seguir foi originalmente publicado na edição nº 275 da revista BOA VONTADE, de setembro de 2022. Para conhecer a publicação, acesse: www.revistaboavontade.com.br


Vivian R. Ferreira

Rodrigo Cassiano, intérprete de Libras, é um dos profissionais da Escola de Capacitação Profissional Boa Vontade, em São Paulo/SP, engajados em garantir os direitos das pessoas com deficiência auditiva.

Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, mostrou que 17,3 milhões de pessoas com 2 anos de idade ou mais, ou seja, 8,4% da nossa população, possuem alguma deficiência. Metade desses indivíduos são idosos. Apesar da grande quantidade de cidadãos que têm dificuldades motoras, para ouvir, falar, caminhar e subir escadas ou que apresentam déficit mental/intelectual, boa parte daqueles que deveriam aplicar as políticas públicas, fazendo valer as leis no Brasil, ainda menospreza e/ou ignora a importância de se criar condições para que todos tenham oportunidades iguais.

+ Confira a edição nº 275 da revista BOA VONTADE, de setembro de 2022

Combater essa falta de envolvimento da sociedade com a questão é um dos principais motivos da criação do Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, em 21 de setembro. Para celebrar a data e refletir sobre inclusão e acessibilidade, a revista BOA VONTADE conversou com alguns dos usuários das escolas e dos Centros Comunitários de Assistência Social da Legião da Boa Vontade (LBV) que têm algum grau de deficiência. Na oportunidade, eles falaram sobre a garantia de seus direitos e como o acolhimento da Instituição contribui para o desenvolvimento pessoal e profissional deles, possibilitando a construção de um futuro melhor.

Vivian R. Ferreira
Egeziel Castro

No Centro Comunitário de Assistência Social da Legião da Boa Vontade em Goiânia/GO, muitas são as histórias de superação, demonstrando que a compreensão e o Amor Fraterno são capazes de suplantar barreiras. Colaboradores e voluntários que ali atuam colocam em prática essa essência solidária em suas ações, a exemplo da assistente social Claudia Patrícia da Silva Sousa, que sente na própria pele a necessidade de contribuir para a melhora da realidade dos que procuram a Obra. “Eu me sinto capacitada, lisonjeada e realizada por ter vencido muitos obstáculos na minha vida, porque, da mesma forma que as famílias nos procuram, a minha também buscou apoio no momento em que mais precisei. Quando eu nasci, tive paralisia cerebral, e isso me trouxe sequelas. Graças a Deus, foi apenas uma deficiência no meu membro superior direito, mas, mesmo assim, tive diversos desafios, porque é uma limitação, mas não me deixei abalar por ela”, conta.

Capa da edição nº 275 da revista BOA VONTADE, de setembro de 2022.

Claudia recorda que, durante a infância, havia muitas falhas nas políticas de inclusão e que sofreu com o bullying no colégio. “Tinha muito preconceito, discriminação, e aquilo eu guardava para mim, chorava, ficava quietinha, mas sempre pensando: vou em frente, eu sou capaz... E hoje sou uma vencedora.” A assistente social relembra que o primeiro emprego na Associação dos Deficientes Físicos do Estado de Goiás (Adfego), em 2003, foi importante para a sua trajetória, porque a maioria dos profissionais também era deficiente, “e aquilo me deu ainda mais força para lutar por meus direitos e pelos direitos das outras pessoas”.

Diego Ciusz

Há 14 anos trabalhando na LBV, ela diz que se surpreendeu ao iniciar suas atividades na Obra, pois, se já havia modificado seu olhar após a vivência acadêmica do Serviço Social, “a visão de mundo mudou, a minha vida e meu pensamento se transformaram ainda mais ao entrar na LBV, ao ver como a Instituição atua. Foi uma segunda faculdade para mim, com todo o suporte que a Legião da Boa Vontade proporciona para a equipe, com o apoio de supervisoras, que têm todo o amparo e conhecimento técnico e teórico para que os profissionais sejam assertivos, mostrem para todos os usuários os seus direitos”.

+ Confira a edição nº 275 da revista BOA VONTADE, de setembro de 2022

Respeito às diferenças: desde cedo, uma lição aprendida pelas crianças na LBV

Ainda na unidade da capital goiana, a reportagem da revista conheceu Mônica Alves da Silva, 35 anos, uma manauara que vive há mais de 10 anos na cidade, mãe que luta para criar e educar quatro filhos. Dois deles, por terem idade para participar do serviço de convivência Criança: Futuro no Presente!, são atendidos diretamente pela iniciativa, mas a família inteira acaba sendo beneficiada de alguma forma. “A LBV nos apoia em tudo; se eu precisar, posso ligar a qualquer hora. A Instituição ajuda muito [na tarefa de educar as crianças]. Quando chegam da escola, já vêm para cá [Centro Comunitário da Entidade], almoçam, lancham, fazem tudo aqui, várias atividades. É o que eu sempre quis para eles, para não ficarem na rua. Eles adoram vir para cá. No dia que não vêm, acham ruim.”

Rayan da Silva Said, de 9 anos, provavelmente foi o filho de Mônica que mais gostou de ter a oportunidade de estar na Entidade. Antes de frequentar o lugar, era introvertido, muito pelos preconceitos que vivenciou no antigo grupo escolar, por causa da deficiência nos membros superiores. Além da afetividade dos educadores, o garoto foi acolhido de imediato pelos novos colegas do serviço de convivência, e isso fez uma enorme diferença para ele. “O Rayan tinha medo de se entrosar com os outros por conta da rejeição, mas, na LBV, foi o contrário, os meninos sempre gostaram dele. Ele fala que aqui os colegas o ajudam, porque tem dificuldade de levar a mão para a boca e, na hora de comer, é complicado. Aí os meninos ajudam, põem comida pra ele, dão apoio, e, assim, ele supera as coisas. Tenho muito orgulho dele.”

Egeziel Castro

Mônica diz que foi fundamental ter o conhecimento de leis, dos aparatos públicos para cuidar melhor do filho: “Até o BPC [Benefício de Prestação Continuada] a LBV nos ajudou [a buscar]. É a renda que a gente tem agora, chegou em um momento em que eu precisava bastante, porque não podia mais trabalhar para fazer o tratamento dele, pois exige que eu saia com ele várias vezes por semana”.

Rayan, por sua vez, é um garoto cheio de energia e alegre. Na Legião da Boa Vontade, adora participar das atividades esportivas e sonha em ser jogador de futebol. Com um lindo sorriso, ao ser entrevistado, agradeceu por tudo o que compartilha na Organização: “Queria falar para os meus amigos e para a LBV que eles me ajudaram muito, me acolheram, fizeram um monte de coisas por mim!”

Vivian R. Ferreira

Arthur Oliveira dos Santos, 27 anos, e Maria Isabelle Anselmo, 24, tornaram-se amigos na Escola de Capacitação Profissional Boa Vontade, em São Paulo/SP, onde frequentam o Curso Técnico em Rádio e Televisão, o qual tem duração de um ano e meio e é ministrado em três semestres. Destinado a jovens e adultos, o Curso Técnico disponibilizado pela LBV é o segundo totalmente gratuito da capital paulista a conceder DRT, ou seja, o registro profissional emitido pela Delegacia Regional do Trabalho de cada Estado.

Maria Isabelle relata que não é surda completamente, conserva um pouco de resquício auditivo e que, por isso, consegue fazer a leitura labial, o que facilita a sua comunicação. Ela também destaca que o fato de ter cursado o último ano do Ensino Fundamental e todo o Ensino Médio no Conjunto Educacional Boa Vontade, na capital paulista, fez a diferença em sua trajetória e é de fundamental importância para sua profissionalização: “Além da forte educação, na qual se formam cérebro e coração*, eu nunca sofri preconceito na Instituição”.

Vivian R. Ferreira

Depois de concluir a Educação Básica, alçou novos voos: está empregada como auxiliar de escritório, faz faculdade de Psicologia e matriculou-se no curso na Legião da Boa Vontade. “Muitos podem pensar que é impossível uma pessoa que tenha deficiência auditiva fazer audiovisual, mas foi um desafio que eu mesma me dei, e, conforme foram acontecendo as aulas, fui ficando ainda mais tranquila.”

Tudo tem dado certo para Maria Isabelle, que encontrou na escola da LBV todo o apoio de que precisava, como a presença de um intérprete na Língua Brasileira de Sinais (Libras) e outras estratégias pensadas, a fim de que a jovem alcance bons resultados em sala de aula: “Eu deixo o meu celular perto da caixa de som para acompanhar na audição o que está sendo falado pelo professor ou o que está sendo mostrado no vídeo (o meu celular é conectado com meu aparelho auditivo via bluetooth). Consigo fazer essa junção entre o professor e o intérprete, adaptei-me bem com esses dois caminhos na aula e consigo entender 100% os conteúdos, as atividades que são propostas”, ressalta.

“A LBV tem um acolhimento muito humano”

Para Arthur, que possui dificuldades locomotoras nas pernas e caminha com a ajuda de muletas, não foi diferente, pois o respaldo que encontrou na LBV e na amizade com Maria Isabelle, na troca de desafios e de aprendizados, só fortaleceu esse jovem, que sonha em ser roteirista e trabalhar na linha de produção de televisão. A vocação para o veículo de comunicação vem da infância, quando encontrou uma companhia nos personagens de novelas e filmes, visto que passava quase todo o tempo em casa. Ele nos conta que demorou para que os médicos concluíssem o diagnóstico, e isso, somado à falta de estabelecimentos de ensino com acessibilidade, acabou atrasando seu ingresso na vida escolar. Junto a esses fatores, lamenta o jovem “que poucos são os deficientes encorajados a sair de casa, como também a sociedade não é incentivada o suficiente para saber lidar com as deficiências”.

Vivian R. Ferreira

Todos esses empecilhos postergaram seu ingresso na escolarização, e ele acabou finalizando a Educação Infantil com 10 anos. Apesar disso, Arthur não reclama, pois, graças a bolsas de estudos, pôde frequentar bons colégios até o fim do Ensino Médio e, agora, tem a oportunidade de realizar seu sonho na Legião da Boa Vontade. “Eu estou amando estar nesta escola. A LBV tem um acolhimento muito humano. Fui pesquisar a história da Instituição, e ela é assim, já na sua nascente, um olhar humanista no jeito de lidar com o indivíduo, de entender que cada um tem o seu porquê e sua jornada, que são pessoas diferentes. Graças a Deus, a Instituição inteira é muito acessível.” E completa dizendo que a experiência na Entidade tem sido enriquecedora, por estar em um lugar em que “as pessoas entendem que oferecer acessibilidade não é um privilégio, mas um direito, e que, quando a gente se torna independente, tem as mesmas chances na vida. Isso é promover equidade”.

Vivian R. Ferreira

Conforme foi salientado no início desta reportagem, metade da população com deficiência é composta por idosos. Eles respondem por 8,5 milhões de indivíduos nesta condição, de acordo com o IBGE. Daí a relevância de iniciativas como o serviço Vida Plena, da Legião da Boa Vontade, no qual são auxiliadas pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, que têm a oportunidade de participar de atividades favoráveis ao processo do envelhecimento saudável, ao desenvolvimento da autonomia, à socialização e ao fortalecimento dos vínculos familiares, interpessoais e intergeracionais.

Margarida Fernandes da Cunha, 76 anos, é uma das beneficiadas pelo serviço de convivência da LBV em Natal/RN, no qual encontrou amparo, ânimo e forças para superar a depressão, a partir do contato com os integrantes da iniciativa e do apoio de profissionais da Instituição. Hoje, quem escuta as boas risadas dessa potiguar nem imagina o que a gentil senhora passou ao longo da existência: fome, quando era pequena e morava em São Tomé, município no interior do Rio Grande do Norte; orfandade de pai e mãe ainda na infância; e, na fase adulta, a perda de três dos cinco filhos.

Com o passar do tempo também foi diagnosticada com diversas doenças (osteoporose, artrite, artrose, escoliose e bico de papagaio) que a deixaram sem andar por cerca de dois meses, tendo de se locomover com uma cadeira de rodas. Para vencer esses problemas, precisou de muito esforço e inúmeras sessões de fisioterapia, a fim de recuperar parte da força nas pernas e poder andar com a ajuda de muletas. No entanto, todas essas dificuldades mexeram com o seu emocional: “Não comia, não dormia, só chorava, nada prestava”. Foi nesse pior cenário que Margarida contou também com o suporte da Entidade, onde recebeu orientação e assistência psicológica: “A partir do momento que frequentei a LBV, passou tudo o que eu sentia. Tinha dias que ia com um desgosto tão grande, mas, quando chegava lá, me animava. Eu dizia: meu Deus! Eu vou, ninguém vai me empatar de ir para a Instituição. A LBV é tudo pra mim, é minha irmã, minha mãe”.

Superada a depressão, essa senhora, mesmo com as limitações motoras, retomou os afazeres domésticos, cozinhando e cuidando de suas plantas e animais. Com ajuda de duas vizinhas, não falta a nenhuma atividade na Organização: “Eu enfio o meu braço no braço da Maria e da Lurdes e ‘vamo simbora’!”

No início da pandemia da Covid-19, ela acompanhou remotamente as atividades propostas pela Entidade, mas sempre com “bastante saudade das meninas”, ressalta. Nessa fase, Margarida e seu esposo, João, de 80 anos, também viram a renda do Auxílio-Doença que recebem do governo ter seu valor de compra ainda mais reduzido com a inflação alta, contando muito pouco para manter o lar. Ela se recordou das vezes em que recebeu a cesta de alimentos entregue pela Obra: “Uma vez, a LBV trouxe o sacolão para mim. Eu estava sem nada, parece que adivinharam que eu precisava... Só tinha água e sal. Foi uma bênção, uma grande alegria. Eu falei: meus filhos, vocês chegaram na hora certa”.

A retomada do atendimento presencial, no início do segundo semestre desse ano, deu novo ânimo a Margarida: “Graças a Deus voltei para a minha família LBV, foi a maior felicidade da minha vida. É tão bom encontrar as amigas que eu tenho! A gente cai na risada juntas, se diverte e tira tudo da cabeça. Hoje, tenho uma alegria tão grande dentro do meu coração! Quero viver muito pra conhecer mundo afora”, finaliza em alto-astral.

Atendimento educacional especializado

Com uma pedagogia inovadora e tecnologias sociais, a LBV promove em suas escolas o Programa LBV — Potencializando Habilidades (PPH), cujo propósito é acompanhar o desenvolvimento pedagógico, clínico e social dos alunos com necessidades educacionais diferenciadas, realizando estratégias e adaptações que os ajudem na socialização e no aprendizado dos conteúdos curriculares. Nas fotos, dois estudantes com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) beneficiados pela iniciativa. Arthur Alonso, de 10 anos, do 5º ano do Ensino Fundamental do Centro Educacional da LBV, no Rio de Janeiro/RJ, que apresentava seletividade alimentar, o que prejudicava seu desenvolvimento e causava problemas de saúde. Com processos pensados por educadores e a nutricionista da escola, além de contar com o apoio de familiares, o cardápio do menino ampliou-se e, aos poucos, foi sendo consolidado um vínculo afetivo com os profissionais da unidade. Atualmente, ele já come bem melhor.

Também conduzida pelos professores do PPH, uma estratégia específica foi adotada com a aluna Heloísa Souza Lapa, 4 anos, do Pré 1, para que pudesse frequentar a Escola de Educação Infantil da LBV, em Curitiba/PR. No início, a fim de acostumar-se ao ambiente escolar, os educadores pediram a Sandra Toterol Souza, avó e responsável da menina, que a acompanhasse na sala de aula até que ela estivesse totalmente adaptada ao colégio. O planejamento foi bem-sucedido e hoje Heloísa participa de toda a rotina pedagógica e realiza as atividades propostas, além de se socializar com os colegas.

Vivian R. Ferreira
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